Os municípios podem patrocinar eventos privados? Artigo de Marcelo Souza

Artigo de Marcelo Souza, advogado, especialista em direito administrativo e constitucional.

“Pelo país afora, diversos municípios recebem eventos festivos que já estão na mente das pessoas como atividades do calendário municipal. Eventos estes são realizados pela iniciativa privada ou entidades do terceiro setor.

A Corrida Internacional de São Silvestre é um dos exemplos de evento privado que tem grande colaboração do poder público.

Mas, afinal, podem os municípios patrocinar eventos de terceiros, que trarão retorno financeiro para associações e até mesmo para empresas?

Antes de adentrarmos no cerne da questão, cumpre diferenciar patrocínio público de apoio institucional e logístico a eventos.

Patrocínio público é o subsídio mediante pagamento em dinheiro ou doação de qualquer material, condicionado à publicidade por meio impresso ou eletrônico (inclusive redes sociais) do logotipo de governo; brasão e bandeiras ou frases e logo de programas e campanhas governamentais, desde que não violem o disposto o §1º do Art. 37 da Constituição Federal:

§ 1º A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos. (grifo nosso).

Apoio institucional e logístico a eventos não devem gerar gastos adicionais aos já instituídos ou contratados, portanto, não haverá a celebração de novos contratos administrativos (contrato em sentido amplo) ou a implantação de novos serviços. O apoio é restrito à perfeita execução do evento e tem como objetivo primordial a proteção à incolumidade pública. O evento deve ter caráter paraestatal, tais como atividades esportivas e artísticas. Sendo assim, o fornecimento de ambulância, proteção policial, organização do trânsito a eventos privados não se confundem com patrocínio público.

O ato de patrocínio público deve ser instrumentalizado em formato de contrato, para controle contábil e fiscalização dos órgãos de controle e, ainda, a indicação da respectiva dotação orçamentária que suportará a despesa.

Os municípios podem instituir lei própria sobre o tema, definindo valor máximo de pagamento de cota de patrocínio; o formato do pedido de concessão e os tipos de eventos que poderão ser patrocinado pelo munícipio.

O contrato de patrocínio público, que pode receber outro nome conforme a legislação de cada município, é celebrado entre a Prefeitura ou seus órgãos da administração indireta e o particular responsável pela organização do evento.

O Poder Legislativo municipal, a meu ver,  não pode celebrar este modelo de ajuste, tendo em vista que dentro de suas atribuições típicas (Legislar e Fiscalizar) não se enquadra neste tipo de fomente, que possui característica de promoção de políticas públicas.

Para que os municípios patrocinem eventos realizados pela iniciativa privada é imprescindível a  ampla exposição dos motivos que justifiquem a utilização de verba pública na divulgação do evento. O acontecimento deve ter natureza paraestatal, como atividades recreativas, culturais, esportivas e educativas.

A verba pública é destinada ao interesse público de divulgação (fomento) do evento patrocinado, visando o bem estar dos munícipes para que estes possam usufruir deste acontecimento, que embora seja privado tem natureza pública, podendo ou não ter cobrança de ingresso.

Além disto, o contrato de patrocínio não deve ser confundido com a figura jurídica da contratação administrativa, regulada pelo artigo 37, inc. XXI, da Constituição Federal.

A Lei nº 8.666/93 estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

Art.1o  Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. (grifo nosso).

Verifica-se, portanto, que o contrato de patrocínio não se enquadra em nenhuma das taxativas hipóteses do Art. 1º da Lei nº 8.666/93, tendo em vista que no patrocínio os municípios aderem aos projetos de particulares, em troca da divulgação de políticas pública municipal ou visando fomentar atividade privada de interesse público.

Tecnicamente os municípios não precisam licitar o contrato de patrocino por não ter competição. Ele é único e se destina a uma finalidade exclusiva, promovida por particulares. O órgão da administração municipal não contrata o particular para a realização de um evento, ele adere ao projeto já existente do particular, diferente de contratar determinada empresa para realizar um evento.

O interesse dos municípios em patrocinar eventos privados está ligado diretamente à realização da melhor e mais organizada festividade, capaz de fomentar o turismo; trazer lazer à população; divulgar a prática de esportes ou melhorar a educação dos administrados.

O tema já foi debatido pelo Supremo Tribunal Federal, que proferiu excelente interpretação jurídica, quanto à participação do município de São Paulo na realização de evento esportivo de repercussão internacional, entendendo a Egrégia Corte desnecessário a realização de procedimento licitatório (certame) para a celebração de contrato de patrocínio.

A discussão do STF versava sobre o fomento a Primeira Maratona de São Paulo, onde o município foi um dos patrocinadores do evento idealizado e organizado pela Rede Globo de Televisão, tendo a Corte descaracterizado o ajuste à prévia licitação:

“Recursos Extraordinários. Constitucional e Administrativo. Alegação de contrariedade aos arts. 5º, inc. II, 37, caput , e inc. XXI, e 93, inc. IX, da Constituição da República. Realização de evento esportivo por entidade privada com múltiplo patrocínio: Descaracterização do patrocínio como contratação administrativa sujeita à licitação. A participação de município como um dos patrocinadores de evento esportivo de repercussão internacional não caracteriza a presença do ente público como contratante de ajuste administrativo sujeito à prévia licitação. Ausência de dever do patrocinador público de fazer licitação para condicionar o evento esportivo: objeto não estatal; Inocorrência de pacto administrativo para prestar serviços ou adquirir bens. Acórdão recorrido contrário à Constituição. Recursos Extraordinários interpostos contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo providos. Recurso Extraordinário contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça julgado prejudicado por perda de objeto.” (STF, Rel. Min. Carmen Lúcia, RE nº 574636/SP, 1ª T., julgado em 16.08.2011).

Conforme o julgamento da Corte Constitucional o munícipio de São Paulo não firmou uma contratação administrativa.

Balizado no entendimento do STF, no contrato de patrocínio, os municípios não necessariamente estabelecerão as condições legais do ajuste e não devem interferir na execução do espetáculo.

Porém, embora seja legal a formalização de contrato de patrocínio entre os municípios e empresas e/ou entidade do terceiro setor, esse expediente não pode ser utilizado de maneira impetuosa.

É indispensável a formalização de processo administrativo para registrar todos os atos que levaram a celebração do instrumento. A exposição dos motivos que justificam o patrocínio de evento privado precisa ser escrita, no formato documento técnico, com as considerações sobre o evento e a indicação do resultado que o município visa alcançar.

Além disto, os municípios não podem nunca tornar-se os verdadeiros realizadores do evento, repassando montante financeiro maior que o disposto pelos realizadores do evento.

Assim, caso um município entenda conveniente patrocinar evento privado, precisa verificar previamente a capacidade financeira dos idealizadores; a reputação social das empresas e entidades organizadoras; se o valor da cota de patrocínio é o mesmo pago por outras empresas e, essencialmente, justificar os motivos do contrato de patrocínio.”

Marcelo Silva Souza

Advogado e Consultor Jurídico, especialista em Direito Administrativo, especialista em Direito Constitucional, especialista em Gestão Pública. Exerceu o cargo de Chefe do Setor de Contrato e Convênio da Prefeitura de Várzea Paulista. Atuou como Assessor Jurídico da Prefeitura de Vinhedo. Foi Presidente da Comissão Municipal de Licitações da Prefeitura de Vinhedo. Exerceu o cargo de Assessor Executivo de gabinete da Prefeitura de Santo Antonio de Posse. Atuou como Diretor Jurídico da Autarquia de água e esgoto de Vinhedo – SANEBAVI. Atualmente é de Diretor Geral da Câmara Municipal de Louveira. Ministra palestra sobre Assessoria Parlamentar, Licitações e Contratos e outros temas.

 

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