Controle público e técnico das contas públicas avançam cada vez mais

O olhar cada vez mais atento e próximo do cidadão é um dos fatores que contribuem para o aumento do controle social sobre a administração pública do ponto de vista externo, assim como a atuação da imprensa municiada pelos dados da transparência. Pelo lado interno a fiscalização e auditorias aumentam de qualidade e intensidade através da atuação dos Tribunais de Contas em acelerado aperfeiçoamento.

Uma das carreiras que tem colaborado nesta direção é a de Conselheiro Substituto. São quadros preparados, com formação ampla e técnica, que nestes últimos dois anos chamaram a atenção por ocuparem com mais frequência o plenário de julgamento de contas.  Selecionados por concurso, tem sido uma força complementar e importante em muitas circunstâncias da verificação da adequação das contas públicas de diversas gestões.

Para analisar esse momento, refletir sobre essa transição e a carreira que ainda não é muito conhecida, o Pro Legislativo entrevistou a Conselheira Substituta, atualmente interina, Jaqueline Jacobsen, do do Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso.

Pro Legislativo: Percebe-se que as fiscalizações dos TCEs estão cada vez mais rigorosas e com mais qualidade. Isso é fruto da demanda da sociedade e de um novo ambiente vivido no país?

Conselheira Jaqueline Jacobsen : Desde a última década, devido a vários fatores, há um movimento de mudanças na atuação do Controle Externo Nacional em busca da melhoria do sistema. Entendo que essa busca está voltada, especialmente, para dar respostas satisfatórias à sociedade. Essa demanda faz com que as instituições sejam estimuladas e se sintam desafiadas para dar um salto de qualidade. As próprias instituições têm feito uma auto avaliação estruturada em virtude do clamor social relacionado aos órgãos de controle. Tal atitude  demonstra que já há a percepção inerente à necessidade de aprimoramento da atuação dos Tribunais de Contas.

Percebo que o advento das redes sociais, que proporcionam ao cidadão o acesso em tempo real às informações, promove a transparência de todos os atos de gestão. Isso traz um processo de empoderamento à sociedade que expõe as suas indignações e que também contribui com sugestões de implementações para que as mudanças aconteçam. Nosso país vive um momento de intensa participação social, um momento de quebra de paradigmas, um momento em que os modelos antigos já não têm mais espaço. Em minhas reflexões, penso ser bastante oportuno parafrasear Gramsci para entender o movimento gerador da crise que vivemos, pois o pensador explica que “A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer (…)”.  Nós, sociedade e órgãos de controle, pelo caminhar dos eventos que afetam as nossas vidas, fomos convidados a construir o novo.

Empenhados nessa edificação, neste ano em que comemoramos os 100 anos da existência do cargo dos Conselheiros Substitutos, nós, integrantes da AUDICON, sensíveis aos anseios sociais, lançamos a campanha “Contas Públicas são da Nossa Conta”, justamente para aumentar a conscientização da sociedade sobre a nossa responsabilidade, como cidadãos, em relação às contas públicas. É muito importante que a sociedade perceba que a fiscalização dos gastos, da qualidade dos serviços e das obras públicas é tarefa de todos nós, e que esse envolvimento social precisa avançar.

Pro Legislativo: Os conselheiros substitutos, de carreira e, portanto, com preparo mais técnico, têm sido importantes nesta mudança?

Conselheira Jaqueline Jacobsen: Creio que sim, pois os conselheiros substitutos são selecionados por meio de concurso público, conforme prevê a Constituição Federal, e exige um alto nível de conhecimento por parte dos candidatos. Os concursos são normalmente elaborados pelas instituições renomadas do país como FGV, Dom Cabral e Cespe, por exemplo. As provas têm um conteúdo denso, vasto, que abrange todas as áreas da Administração Pública, Direito Administrativo, Direito Constitucional, Contabilidade Pública, Matemática Financeira, Economia, Língua Portuguesa, entre outras.

O nível técnico da prova faz com que, para serem aprovados, os candidatos precisem, além da graduação em área específica e da pós-graduação, de muita dedicação aos estudos. Assim, após se submeterem ao certame e serem aprovados, quando assumem o cargo os Conselheiros Substitutos, já chegam com uma bagagem teórica imensa. Vale lembrar ainda que a exigência constitucional em relação a esse cargo também se estende à experiência profissional de 10 anos de trabalho na área. Então, vejam que se trata de um casamento, de uma união, entre um vasto conhecimento teórico, importante e valioso, e a prática igualmente importante e valiosa.

No meu caso, por exemplo, quando me submeti ao concurso público, já atuava há mais de 10 anos como auditora de controle externo no Tribunal de Contas de Mato Grosso. A meu ver, a união entre os conhecimentos teóricos e práticos promove, por si só, a qualidade do serviço prestado. Por essas razões, creio que os conselheiros substitutos são, de fato, peças-chave para o salto de qualidade do controle externo. Saliento, ainda que, ingressar no sistema de controle externo por meio de concurso público, traz, em seu bojo, imparcialidade e isenção em relação aos atos de gestão praticados pelos agentes públicos.

Pro Legislativo: Na sua visão, os agentes públicos fiscalizados estão percebendo a necessidade de também terem mais rigor na administração pública e nos processos públicos?

Conselheira Jaqueline Jacobsen : Bem, entrei no Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, como auditora, em 1999. Logo em seguida, no ano 2000, foi editada a Lei complementar 101, a Lei de Responsabilidade Fiscal, nessa época já foi possível perceber uma mudança na atuação dos gestores.

Eles começaram a se preocupar mais com o planejamento orçamentário, que começou a receber atenção especial, a ser elaborado com mais zelo, a não ser visto apenas como uma burocracia a ser vencida pelo gestor público. Com o passar do tempo, percebo que isso foi evoluindo e agora noto um cuidado ainda maior, pois observo que os gestores fazem uso do orçamento para realmente definir as suas políticas públicas. Ou seja, o gestor começou a ligar a teoria à prática. O orçamento passou a ser o norte da gestão, e não mera formalidade a ser cumprida.

Os fiscalizados perceberam que o País está diferente hoje, as instituições de controle, Ministério Público Federal, Polícia Federal, Tribunais de Contas do Estado, Ministério Público Estadual, Supremo Tribunal Federal, entre outras, têm sido mais atuantes.

É possível observar que as formas, as fiscalizações, os meios de investigação, estão mais eficientes. Com isso os próprios fiscalizados, gestores que administram dinheiro público, têm aprimorado a sua atuação. Eles, aos poucos, estão percebendo que os tempos são outros. Afinal, o dinheiro público, conforme a nossa campanha, é da nossa conta. Há a premente necessidade de gestão planejada, controlada e transparente. Não há mais a oportunidade de fazer gestão pública sem observar o rigor as regras da legislação vigente, porque o administrador público só pode fazer o que a lei permite, diferentemente do particular que pode fazer tudo o que a lei não proíbe. É notório que essa conscientização do administrador público, voltada para a necessidade de observar com maior rigor o que diz a letra da lei, tem produzido bons frutos.

Vejo que os gestores entendem que a transparência é uma tendência, um caminho sem volta, e que exige que eles sejam cuidadosos e responsáveis na aplicação do dinheiro público. Além de cumprir a legislação em vigor e aplicá-la corretamente, é preciso administrar com eficiência para que os benefícios sejam revertidos para a sociedade.

 

 

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